4/25/2007

...úlcera...

úlcera


A boca era, inteira, café.
Rios de lembranças a encharcar-me,
deixando frio o quarto.

No entanto,
era um daqueles dias
em que nos forjamos fortes,
engolindo a lágrima,
com a mesma convicção
com que se engole
o amargo remédio,
esperando a anestesia da dor.

Mas era tarde para o choro.
Mais ampla se fazia,
a cada noite,
a ferida.

Todo delírio mal-dormido,
fora sempre
um estágio a mais
na contradição
completa de não ter
porque acordar.

E a boca se faria
também sangue,
engolido como a cerveja fria,
ao final da noite...

No entanto,
tecíamos o descaso,
furtando-nos
ao socorro
de um beijo.

Enquanto a ferida expandia-se,
cega,
rasgando ventre, sonhos, poemas.

Estendi as mãos.
Roguei com os olhos.
Já não valeria ser forte!
Queria tuas mãos,
teus lábios,
sonhos...
Ou qualquer alento
mais quente que o sangue,
mais vasto que o corte!


Por Luciana Cavalcanti
Recife, 01 de Junho de 2003.
diagnose: inflamação das vias poéticas com quadro hemorrágico no sistema gástrico
[poema de realismo trágico com três pitadas de romantismo-crônico]
(...)

"houses on stilts"

foto: "os manifestantes"




Poesia surrealista-marginal

A Revolta das Palafitas


"Recife: tu és urbe
Incompleta!
Tuas favelas
Caminham entre as pedras
De teus prédios
Com suas pernas de palafita!
incrustando-se,
Qual orquídeas,
Parasitas,
Em tuas paredes!"
Explicação: é isto mesmo.

A revolta das palafitas.
Estas,
Cujo memorável dia,
Saíram em protesto-passeata
Descolando-se do chão-de-charco
E caminhando,
Com suas pernas-de-pau,
Pelas vias da cidade,
Em direção
Ao prédio da Prefeitura do Recife,
No dia memorável,
surreal dia memorável,
Em cujas encostas,
Em manifestação anti-urbe,
As palafitas incrustaram-se
Nas paredes daquele edifício
Em busca do prefeito,
(Perfeito imbecil – acreditam as palafitas),
Como orquídeas
Para que nunca mais passassem
Despercebidas
Pelos descuidados transeuntes
E desleixadas instituições!"

A revolta das palafitas
(House on stilts)



Por: André Raboni

4/23/2007

Ao Poeta Erickson Luna...

A passagem de Luna nos deixou mais tristes... Quem conhecia sua Poesia firme, cortante, bela e polifônica/polissêmica, fica como estou neste momento: de palavra pouca e endoidecida, sem saber o que dizer! O homem, que morreu há tão poucos dias, era um grande poeta, desses que falam fundo às nossas consciências e corpos do sentido e força da Poesia. mereceria, certamente, uma daquelas estátuas dos poetas e boêmios que (se diz...) orgulham esta cidade lendária, Recife. Mas há, no entanto, um grande problema em se construir um monumento de pedra ou metal para homenagear e mais eternizar a Erickson Luna: as estátuas, tendo pés, não caminham. E, sabemos, Luna era homem de pernas sabedoras de tantos quantos fossem os caminhos que se oferecessem à sua imensa vontade de caminhar e, em caminhando, descobrir/conhecer/maravilhar-se!!! Luna em nada se pareceria com um guardião de rio. Não pararia às margens do Capibaribe infinitamente, poderia, ao invés, resolver misturar-se às suas águas e irrigar Recife, embriagando as margens do Rio de poesia-viva. Então, penso que em homenagem fiel ao poeta, poderíamos caminhar e caminhar. Beber Recife com os olhos... Não escolher mesas, nem tampouco companheiros de copo, mas nos dar à boemia sem roteiros. Penso que, em homenagem ao grande poeta Erickson Luna, deveríamos não silenciar a Poesia nem por um minuto. Erickson Luna merece recitais, e não minutos de silêncio, brindes, e não choros desencantados. Erickson Luna - prestem atenção em seus versos - continua a nos falar da Vida... André bem denominou: "poeta e vivedor Erickson Luna"! A Vida, o suor, a cachaça, as ruas, as lamas, os botecos e os tantos, tantos, versos, nos alertam: o poeta-homem-mariposa apenas deixou este plano em sua procura de Luz porque os luminosos da Cidade já não lhe bastavam... A poesia de Erickson Luna nos aponta na direção da Vida, crua e enlameada por vezes, mas forte e insistente sempre. Viver! Seguir... E brindar a Erickson Luna e seus versos!
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Falas extraídas da Comunidade, no Orkut, "Erickson Luna":
19 de Abril (4 dias atrás)

Que os deuses o acolham ...Que os deuses acolham o grande poeta e vivedor Erickson Luna!Certa vez, eu perambulava noctívago pelas ruas do Recife Antigo, cabisbaixo e tristonho... De repente, avisto ao longe o poeta. Eu o conhecia, claro, mas náo esperava que ele me conhecesse. Ao cruzar por mim, o poeta sorriu e disse: "Vc, Poeta... Quanta tristeza em teu olhar! Sorria, que a vida é poesia só!" Nesse momento meu espírito se encheu de luz e eu e o Grande Poeta e vivedor nos abraçamos. Trocamos umas idéias sobre a existëncia e fomos cada um para o seu lado. Minha vida nunca mais foi a mesma. A energia que Erickson me passou foi de muita vida e luz na existëncia. Ele exorcizou minha melancolia, e minha noite nesse dia foi só felicidade.

Por André Raboni


19 Abril (4 dias atrás)

Até mais, meu amigo! Perda inestimável, porém era homem maduro para a morte e imune aos seus efeitos, dotado de imortalidade e de grande consciência, leveza e dureza, beleza e fealdade. Sua morte não me espanta, era alguém muito acima disso. Lamento, sinto e sentirei sua falta. Pois o Mundo tornou-se mais só e eu também...Algures, hei de encontrá-lo.

Por Juca
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Idas e idas
para Erickson Luna
Nunca é tarde a partida
E sempre cedo é a ida
Pra quem um fio de vida
Servia de inspiração
Cada gole um novo tema
Em cada trago um poema
Tudo dentro do esquema
Sem dar-se trela à razão.
Vai-se cedo mais um forte
Sem precisar de transporte
Nessa bússola sem norte
Sem que se saiba o destino
Na visão do indeciso
Viaja sem dar aviso
Pois, num instante impreciso,
Bate o derradeiro sino.
[poema de Jorge]
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Em tempo: Nos Blogs "Poesia Pouca" e "Palavras Acesas" estão outras palavras recordando Erickson Luna... A saudade é mesmo foda!!! O post que, agora, indico por link diz respeito ao coletivo dos fazedores dessas LINHASTORTAS...

Vai à Luz Infitina, Poeta-Homem-Mariposa!!!


MARIPOSA

Pra eu poder
e só
andar nas ruas
fez-se em volta uma cidade
Para se dar
mais colorido à noite
pôs-se acima os luminosos
E pra que eu
me sinta bem enfim
nesta cidade
há-se em mim um cidadão
Portanto livre
como o que é em noite
e que enche as ruas
perseguindo luzes
acordando
ainda que em sonhos
íntegro
ainda que meio-homem
plenamente meio
mariposa
Erickson Luna