3/11/2007

Mea culpa

Pressão sobre os olhos,
náufragas impressões sobre o Mundo,
enquanto noite e suor escorrem
em meu rosto

Recuso
- por instantes - lembrar
o trabalho que faz ásperas
as minhas mãos
e concepção de mundo

Meus livros
- lixo cósmico, gazes,
pequenos asteróides,
presos
à minh’alma-cometa -
pesam
a bolsa,
os ombros
e o divagar

A madrugada,
talvez, inaugure sentidos,
visite os corpos com seus convites
- ou apenas me traga o vômito.
Do álcool, apatia e apartação,
fruto

Do ventre,
me brota quente
um interior vivo, cheiro espalhado,
gosto, gravado na boca,
do interior de mim
que é alma nunca, mas apenas estômago,
esôfago inflamado,
cólera inflamada (sobre o Mundo)

(des)gosto do Tempo,
indiferente e nu,
correndo em praias
indecifráveis
de um lugar nenhum

Utopia(s)
Ultramarinas mensagens
de solidão

Quando uma estrela de-cadente
beijou o mar,
lá, onde se perde o rio,
beirava
teus olhos,
fraqueza (e gozo) de diluir
a vida em vício,
absorver-te...
Absolver-me.


["mea culpa", poema-gástrico. Luciana: dezembro/00.]

(Ir)Racional

Era terminantemente proibido. Ultrapassar aquilo ali, mesmo diante de muito sigilo, sabia que ia ser descoberto. E sabia disso porque daria - ele mesmo - com a língua nos dentes.

Isso porque era desse jeito que havia se deixado viver, assim nessa forma de tratamento sempre a mercê. A mercê de qualquer que seja, a dominar-se sem precisar tamanha peleja.

Era puro de coração.Isso lá era mesmo.

Não sabia ser cruel. Não sabia provocar. Não sabia ultrajar. Não sabia arquitetar. Não sabia manipular. Não sabia esquematizar. Não sabia descompensar. Não sabia. Não, não sabia...

Mas...

Desejava - instintivamente.

Zorieuq De.

07/XII/06

Ah! papel branco desgraçado!
é melhor que pares de me encarar
com essa alva indiferença,
ou te verás rasgado e antes disso,
borrado por manchas negras de carvão,
para que não fiquem vários de ti
fitando-me com escárnio!
Olhe que pego um lápis!
... se a ponta quebrar?
jogo-te fora por tal insolência!
.
.
.
se fores reciclado?!
(...)



05.11.2006
20:31
b.

Periferia do ser (ou Elucubrações noturnas)

No edifício onde morava, sempre cumprimentava o porteiro da noite da mesma maneira: “Obrigado! Boa noite!”. Não trocávamos uma única palavra além disso. Depois de me abrir a porta de entrada, voltava-se para seu aparelho de televisão enquanto eu seguia sem demora em direção aos cinco lances de escada que amaldiçoava ter de subir logo após as efêmeras, porém importantes, farras da madrugada. Em frente à minha porta, travava uma batalha quase épica contra a fechadura; exausto depois da longa marcha dos setenta e cinco degraus. E, mesmo obtendo êxito na primeira empreitada, via-me de certa forma acuado pelo pequeno orifício da mão esquerda daquele monstro de madeira que se esquivava de todos meus ataques como se me estivesse proibindo a entrada em seu mais íntimo interior.

Quando finalmente consegui persuadi-lo, fingindo um movimento à direita, meu braço em toda sua potência, impulsionou-se tenaz em direção a fechadura. Iludi-me vitorioso por longos cinco segundos, até descobrir o dano causado à minha arma. A chave, que tão velozmente partira como uma seta solta ao arco, havia resvalado nas bordas da maçaneta e entortado a ponto de notar-se quebradiça. Frustrado então, sento-me recostado à minha antiga inimiga, como quem sela um pacto de curta pacificidade. Sem saber o que fazer, prostrado e escondido à margem de meus próprios pensamentos, observo minha sombra. É difícil pensar nela como sendo de toda imaterial, sem a menor e mais miserável partícula a lhe fazer parte.

Percebo-me formulando absurdas teorias sobre a composição de tais contornos sombrios. A idéia dessas formações supostamente privadas de luz serem extensões, ou melhor, projeções da alma, do espírito do ser, foi a que mais atentei. Como se houvesse um vestígio imperfeito da essência que envolve a existência... em meio a estas reflexões, comecei a adormecer envolto no frio corredor quando, de súbito, uma pancada de vento na janela acordou-me aos sobressaltos
e fez-me levantar da cama
para aliviar minha vontade de urinar,
apenas para voltar a dormir
sem lembrar do que acabo de sonhar...


Bernardo Coutinho
18.06.2005 / 12:12
25.06.2005 / 16:0