4/25/2007

...úlcera...

úlcera


A boca era, inteira, café.
Rios de lembranças a encharcar-me,
deixando frio o quarto.

No entanto,
era um daqueles dias
em que nos forjamos fortes,
engolindo a lágrima,
com a mesma convicção
com que se engole
o amargo remédio,
esperando a anestesia da dor.

Mas era tarde para o choro.
Mais ampla se fazia,
a cada noite,
a ferida.

Todo delírio mal-dormido,
fora sempre
um estágio a mais
na contradição
completa de não ter
porque acordar.

E a boca se faria
também sangue,
engolido como a cerveja fria,
ao final da noite...

No entanto,
tecíamos o descaso,
furtando-nos
ao socorro
de um beijo.

Enquanto a ferida expandia-se,
cega,
rasgando ventre, sonhos, poemas.

Estendi as mãos.
Roguei com os olhos.
Já não valeria ser forte!
Queria tuas mãos,
teus lábios,
sonhos...
Ou qualquer alento
mais quente que o sangue,
mais vasto que o corte!


Por Luciana Cavalcanti
Recife, 01 de Junho de 2003.
diagnose: inflamação das vias poéticas com quadro hemorrágico no sistema gástrico
[poema de realismo trágico com três pitadas de romantismo-crônico]
(...)

Nenhum comentário: