8/24/2007

ALICE




Alice tinha alguns anos a mais do que eu.Não recordo agora, minha gente, a data do aniversário dela.Mas, Alice não ligava muito pra essas coisas. Dizia que ocasiões sempre hão de existir para se comemorar um bom amigo.Conheci essa menina numa loja de departamentos no centro. Indicou-me, inclusive, a gravata que mais uso.Não sei porque escrevo sobre ela agora. Talvez seja a saudade que sinto.Alice faz falta. É isso.Quando eu tinha dois anos a menos, essa coisa de melancolia não me acometia. Mas, agora...Ando pela casa de pijamas, revejo fotos, releio livros... achei de dar valor ao passado.Não, não que não desse antes. Mas, ando esquecendo, sentado no sofá, da vida.Ando dormindo nos fins de semana quando à noite, há dois anos, pertencia às risadas de Alice ao meu lado, aos goles daquela cerveja, às baforadas daquele cigarro.Não sei porque escrevo isso agora. Não sei porque Alice manchou minha memória antes tão impermeável.Não sei explicar porque me amparo em papel e caneta.Não sei.A verdade é que Alice não podia ter partido. Alice não podia ter me deixado. Nós que nunca fomos um par.Não deu tempo.Naquele número, já liguei, não existe mais sua voz.Naquele endereço, já fui, não há mais sua presença.Alice que só deixou saudade e aquele casaco lilás sujo, daquele vinho tinto, em cima da minha poltrona.Não sei porque guardo aquele casaco.Não sei porque Alice nunca veio busca-lo.Semana passada notei que desbotou. Há dois anos era um lilás tão vivaz.O noticiário começou. Faz tempo que me detenho só nessas lembranças.Desculpe se sou prolixo. Desculpe se tomei muito do seu tempo.É que queria dizer desse amor que há anos vive.Dessa ferida jamais cicatrizada. Da chance irrecorrível. Da tentativa frustrada.Queria somente desabafar o que a alma não cala.Os arranhões que sangram e não saram.Queria expulsar esse viver, esse pesar sem me emocionar...

Oh, desculpe.

(...)






Zorieuq De.19/VIII/07

PELE

E então se sentou no chão.Porque ali era onde sentia o corpo congelar. Sentia-se vivo. O pulso a latejar. A festa havia terminado. A bebida esfriado. O copo perdido num canto. Desleixado. A camisa rasgara-se na altura do colarinho. A calça, suja, de verde parecia um tom qualquer de azul marinho. A casa crescia. O sol a fazia crescer. E os olhos, como se em chamas ardessem, incomodavam tudo o que queria ver.Ver para não esquecer. As cenas que mesmo depois do porre iram embaçar na mente equivocada. Na memória alucinógena das bebidas. Das substâncias diluídas.Mas, mais. Mais do que lembrar da visão. Queria sentir de novo a pele. Tatear, mesmo em meio a risadas enlouquecidas, a superfície daquela alma que tinha o cheiro de alguma coisa doce.Mesmo no devaneio de toda aquela alquimia dionisíaca, conseguia ainda deseja-la lucidamente qual se desejam poucas coisas na vida. Mas, ao acordar mais tarde, sabia que só os raios do sol o confrontariam. Sabia que só daquele chão frio faria protesto. Da pele, de quem quer que tenha sido, na ânsia de querer te-la, teria esquecido!




Zorieuq De [24/VIII/07]

(...)



Artes de guerras
(por luciana cavalcanti)










Dois meninos. E, à memória, reacendem brincadeiras de infância. Tempos idos, no entanto, presentes. Nunca fugidos... Porque amadurecer é tecer artes de guardar. Rememoro. Retenho-me. Parada, alguns minutos, na rua enlameada, sei que me posso re-ver ali: na disputa ingênua e boa de meninos que ainda se distraem jogando pedrinhas na água. Uma. Duas. Três... No terceiro lançamento, um deles gritou:

- Acertei a pedra grande, ilha do meio...!

Não acertara nada. Sua pedra apenas mergulhou na mesma lama, como antes, como as outras...
O outro menino, distraído na hora exata do suposto grande feito de seu companheiro, deteve-se. Havia reunido outras pedras pequenas nas mãos... Fitou o companheiro que, seguia adiante, orgulhoso do êxito rápido de seu bombardeio. Alvo atingido: a pedra-ilha.
Àquele que seguia, vitorioso, já não interessava se a pedrinha-míssel chegara mesmo ao alvo estratégico da batalha inesperada de caminho... Havia acreditado, de fato, em seu prodígio? Ou sabia já que as vitórias, às vezes, são feitas de convencer a quem quer que seja (inclusive, a nós mesmos, com o tempo...) a respeito do que não foi?

- Espeeeeeraa...!, bradou o outro, inconformado, talvez, de ser atirador de pedras menos habilidoso...

Uma. Duas. Três... Quatro?!? Não é possível...! Nenhuma pedra... O segundo combatente, inquieto, apertou os cabelos...
O pequeno soldado vitorioso já dobrava a esquina quando aquele que insistia em também coroar com bravura e eficiência a sua participação na batalha gritou:

- Acertei também!!! E foram duas!!! Você nem viu... Que tiro certeiro, cara!!!

Nenhuma. Duas tampouco... O segundo combatente também gozava apenas da vitória de propaganda. O outro parou, voltou-se durante uns instantes para trás. Entre desprezo e inveja, a sua voz soltou-se para selar fim-de-assunto e fim-de-guerra:

- Eu não estava mais brincando...

Vitorioso, agora. Mais forte e mais soldado, o segundo menino correu, alcançou o companheiro. Riam-se os dois. Duas célebres ações de guerra. Dois êxitos. Dois campeões de guerra de pedrinhas...
Pouco importava, eu sei, a um e a outro, se a pedra-ilha fora bombardeada eficazmente. Eram vencedores. Soldados com medalhas (invisíveis) de mérito. Riam-se.
Saíram do meu campo de visão... Deixaram, em mim, além da vontade reprimida de lançar pedras-mísseis também, um alvoroço de idéias por testemunhar, em brincadeira de rua, algo dos fios que tecem a História. O poder e vitória dos vencedores, como dos narradores, pousa na cegueira de quem ouve ou lê.
Vitória dita, festejada, é vitória vencida. Assim ficará guardado. Assim ficará sendo... E, depois, a memória trata de confundir o que foi com o que não foi. Assim é. Assim se fez... Brincadeira séria de re-inventar verdades. Os homens, meninos, nem querem aprender a perder suas guerras inventadas. Arma forte, a palavra se faz escudo e abrigo. A vitória vem... Certeira como a pedra que não-foi, a palavra atinge ilhas, espaços, vontades, memórias.
Dizer que são brincadeiras de rua... Acontecidos de andança infantil. O caminho (cansado) da escola até a casa é, afinal, pleno de convites às verdades de quintais (que já não são tantos...), verdades, sem conseqüência, de estar ao ar livre e distrair-se sem bytes. São meninos... Ora, o são! São homens que se fazem. Homens que se descobrem “inventores de verdades”.
Longe de discursos sobre éticas, as mentiras caminham, sem danos, ao nosso lado, na meninice. E intuo que, talvez, a última morada da sinceridade seja a voz dos donos de verdades únicas, absolutas...





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(...) Recife, Várzea do Capibaribe, 23 de Agosto de 2007 – 13 h 05 min.

4/25/2007

...úlcera...

úlcera


A boca era, inteira, café.
Rios de lembranças a encharcar-me,
deixando frio o quarto.

No entanto,
era um daqueles dias
em que nos forjamos fortes,
engolindo a lágrima,
com a mesma convicção
com que se engole
o amargo remédio,
esperando a anestesia da dor.

Mas era tarde para o choro.
Mais ampla se fazia,
a cada noite,
a ferida.

Todo delírio mal-dormido,
fora sempre
um estágio a mais
na contradição
completa de não ter
porque acordar.

E a boca se faria
também sangue,
engolido como a cerveja fria,
ao final da noite...

No entanto,
tecíamos o descaso,
furtando-nos
ao socorro
de um beijo.

Enquanto a ferida expandia-se,
cega,
rasgando ventre, sonhos, poemas.

Estendi as mãos.
Roguei com os olhos.
Já não valeria ser forte!
Queria tuas mãos,
teus lábios,
sonhos...
Ou qualquer alento
mais quente que o sangue,
mais vasto que o corte!


Por Luciana Cavalcanti
Recife, 01 de Junho de 2003.
diagnose: inflamação das vias poéticas com quadro hemorrágico no sistema gástrico
[poema de realismo trágico com três pitadas de romantismo-crônico]
(...)

"houses on stilts"

foto: "os manifestantes"




Poesia surrealista-marginal

A Revolta das Palafitas


"Recife: tu és urbe
Incompleta!
Tuas favelas
Caminham entre as pedras
De teus prédios
Com suas pernas de palafita!
incrustando-se,
Qual orquídeas,
Parasitas,
Em tuas paredes!"
Explicação: é isto mesmo.

A revolta das palafitas.
Estas,
Cujo memorável dia,
Saíram em protesto-passeata
Descolando-se do chão-de-charco
E caminhando,
Com suas pernas-de-pau,
Pelas vias da cidade,
Em direção
Ao prédio da Prefeitura do Recife,
No dia memorável,
surreal dia memorável,
Em cujas encostas,
Em manifestação anti-urbe,
As palafitas incrustaram-se
Nas paredes daquele edifício
Em busca do prefeito,
(Perfeito imbecil – acreditam as palafitas),
Como orquídeas
Para que nunca mais passassem
Despercebidas
Pelos descuidados transeuntes
E desleixadas instituições!"

A revolta das palafitas
(House on stilts)



Por: André Raboni

4/23/2007

Ao Poeta Erickson Luna...

A passagem de Luna nos deixou mais tristes... Quem conhecia sua Poesia firme, cortante, bela e polifônica/polissêmica, fica como estou neste momento: de palavra pouca e endoidecida, sem saber o que dizer! O homem, que morreu há tão poucos dias, era um grande poeta, desses que falam fundo às nossas consciências e corpos do sentido e força da Poesia. mereceria, certamente, uma daquelas estátuas dos poetas e boêmios que (se diz...) orgulham esta cidade lendária, Recife. Mas há, no entanto, um grande problema em se construir um monumento de pedra ou metal para homenagear e mais eternizar a Erickson Luna: as estátuas, tendo pés, não caminham. E, sabemos, Luna era homem de pernas sabedoras de tantos quantos fossem os caminhos que se oferecessem à sua imensa vontade de caminhar e, em caminhando, descobrir/conhecer/maravilhar-se!!! Luna em nada se pareceria com um guardião de rio. Não pararia às margens do Capibaribe infinitamente, poderia, ao invés, resolver misturar-se às suas águas e irrigar Recife, embriagando as margens do Rio de poesia-viva. Então, penso que em homenagem fiel ao poeta, poderíamos caminhar e caminhar. Beber Recife com os olhos... Não escolher mesas, nem tampouco companheiros de copo, mas nos dar à boemia sem roteiros. Penso que, em homenagem ao grande poeta Erickson Luna, deveríamos não silenciar a Poesia nem por um minuto. Erickson Luna merece recitais, e não minutos de silêncio, brindes, e não choros desencantados. Erickson Luna - prestem atenção em seus versos - continua a nos falar da Vida... André bem denominou: "poeta e vivedor Erickson Luna"! A Vida, o suor, a cachaça, as ruas, as lamas, os botecos e os tantos, tantos, versos, nos alertam: o poeta-homem-mariposa apenas deixou este plano em sua procura de Luz porque os luminosos da Cidade já não lhe bastavam... A poesia de Erickson Luna nos aponta na direção da Vida, crua e enlameada por vezes, mas forte e insistente sempre. Viver! Seguir... E brindar a Erickson Luna e seus versos!
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Falas extraídas da Comunidade, no Orkut, "Erickson Luna":
19 de Abril (4 dias atrás)

Que os deuses o acolham ...Que os deuses acolham o grande poeta e vivedor Erickson Luna!Certa vez, eu perambulava noctívago pelas ruas do Recife Antigo, cabisbaixo e tristonho... De repente, avisto ao longe o poeta. Eu o conhecia, claro, mas náo esperava que ele me conhecesse. Ao cruzar por mim, o poeta sorriu e disse: "Vc, Poeta... Quanta tristeza em teu olhar! Sorria, que a vida é poesia só!" Nesse momento meu espírito se encheu de luz e eu e o Grande Poeta e vivedor nos abraçamos. Trocamos umas idéias sobre a existëncia e fomos cada um para o seu lado. Minha vida nunca mais foi a mesma. A energia que Erickson me passou foi de muita vida e luz na existëncia. Ele exorcizou minha melancolia, e minha noite nesse dia foi só felicidade.

Por André Raboni


19 Abril (4 dias atrás)

Até mais, meu amigo! Perda inestimável, porém era homem maduro para a morte e imune aos seus efeitos, dotado de imortalidade e de grande consciência, leveza e dureza, beleza e fealdade. Sua morte não me espanta, era alguém muito acima disso. Lamento, sinto e sentirei sua falta. Pois o Mundo tornou-se mais só e eu também...Algures, hei de encontrá-lo.

Por Juca
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Idas e idas
para Erickson Luna
Nunca é tarde a partida
E sempre cedo é a ida
Pra quem um fio de vida
Servia de inspiração
Cada gole um novo tema
Em cada trago um poema
Tudo dentro do esquema
Sem dar-se trela à razão.
Vai-se cedo mais um forte
Sem precisar de transporte
Nessa bússola sem norte
Sem que se saiba o destino
Na visão do indeciso
Viaja sem dar aviso
Pois, num instante impreciso,
Bate o derradeiro sino.
[poema de Jorge]
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Em tempo: Nos Blogs "Poesia Pouca" e "Palavras Acesas" estão outras palavras recordando Erickson Luna... A saudade é mesmo foda!!! O post que, agora, indico por link diz respeito ao coletivo dos fazedores dessas LINHASTORTAS...

Vai à Luz Infitina, Poeta-Homem-Mariposa!!!


MARIPOSA

Pra eu poder
e só
andar nas ruas
fez-se em volta uma cidade
Para se dar
mais colorido à noite
pôs-se acima os luminosos
E pra que eu
me sinta bem enfim
nesta cidade
há-se em mim um cidadão
Portanto livre
como o que é em noite
e que enche as ruas
perseguindo luzes
acordando
ainda que em sonhos
íntegro
ainda que meio-homem
plenamente meio
mariposa
Erickson Luna

3/11/2007

Mea culpa

Pressão sobre os olhos,
náufragas impressões sobre o Mundo,
enquanto noite e suor escorrem
em meu rosto

Recuso
- por instantes - lembrar
o trabalho que faz ásperas
as minhas mãos
e concepção de mundo

Meus livros
- lixo cósmico, gazes,
pequenos asteróides,
presos
à minh’alma-cometa -
pesam
a bolsa,
os ombros
e o divagar

A madrugada,
talvez, inaugure sentidos,
visite os corpos com seus convites
- ou apenas me traga o vômito.
Do álcool, apatia e apartação,
fruto

Do ventre,
me brota quente
um interior vivo, cheiro espalhado,
gosto, gravado na boca,
do interior de mim
que é alma nunca, mas apenas estômago,
esôfago inflamado,
cólera inflamada (sobre o Mundo)

(des)gosto do Tempo,
indiferente e nu,
correndo em praias
indecifráveis
de um lugar nenhum

Utopia(s)
Ultramarinas mensagens
de solidão

Quando uma estrela de-cadente
beijou o mar,
lá, onde se perde o rio,
beirava
teus olhos,
fraqueza (e gozo) de diluir
a vida em vício,
absorver-te...
Absolver-me.


["mea culpa", poema-gástrico. Luciana: dezembro/00.]

(Ir)Racional

Era terminantemente proibido. Ultrapassar aquilo ali, mesmo diante de muito sigilo, sabia que ia ser descoberto. E sabia disso porque daria - ele mesmo - com a língua nos dentes.

Isso porque era desse jeito que havia se deixado viver, assim nessa forma de tratamento sempre a mercê. A mercê de qualquer que seja, a dominar-se sem precisar tamanha peleja.

Era puro de coração.Isso lá era mesmo.

Não sabia ser cruel. Não sabia provocar. Não sabia ultrajar. Não sabia arquitetar. Não sabia manipular. Não sabia esquematizar. Não sabia descompensar. Não sabia. Não, não sabia...

Mas...

Desejava - instintivamente.

Zorieuq De.

07/XII/06

Ah! papel branco desgraçado!
é melhor que pares de me encarar
com essa alva indiferença,
ou te verás rasgado e antes disso,
borrado por manchas negras de carvão,
para que não fiquem vários de ti
fitando-me com escárnio!
Olhe que pego um lápis!
... se a ponta quebrar?
jogo-te fora por tal insolência!
.
.
.
se fores reciclado?!
(...)



05.11.2006
20:31
b.

Periferia do ser (ou Elucubrações noturnas)

No edifício onde morava, sempre cumprimentava o porteiro da noite da mesma maneira: “Obrigado! Boa noite!”. Não trocávamos uma única palavra além disso. Depois de me abrir a porta de entrada, voltava-se para seu aparelho de televisão enquanto eu seguia sem demora em direção aos cinco lances de escada que amaldiçoava ter de subir logo após as efêmeras, porém importantes, farras da madrugada. Em frente à minha porta, travava uma batalha quase épica contra a fechadura; exausto depois da longa marcha dos setenta e cinco degraus. E, mesmo obtendo êxito na primeira empreitada, via-me de certa forma acuado pelo pequeno orifício da mão esquerda daquele monstro de madeira que se esquivava de todos meus ataques como se me estivesse proibindo a entrada em seu mais íntimo interior.

Quando finalmente consegui persuadi-lo, fingindo um movimento à direita, meu braço em toda sua potência, impulsionou-se tenaz em direção a fechadura. Iludi-me vitorioso por longos cinco segundos, até descobrir o dano causado à minha arma. A chave, que tão velozmente partira como uma seta solta ao arco, havia resvalado nas bordas da maçaneta e entortado a ponto de notar-se quebradiça. Frustrado então, sento-me recostado à minha antiga inimiga, como quem sela um pacto de curta pacificidade. Sem saber o que fazer, prostrado e escondido à margem de meus próprios pensamentos, observo minha sombra. É difícil pensar nela como sendo de toda imaterial, sem a menor e mais miserável partícula a lhe fazer parte.

Percebo-me formulando absurdas teorias sobre a composição de tais contornos sombrios. A idéia dessas formações supostamente privadas de luz serem extensões, ou melhor, projeções da alma, do espírito do ser, foi a que mais atentei. Como se houvesse um vestígio imperfeito da essência que envolve a existência... em meio a estas reflexões, comecei a adormecer envolto no frio corredor quando, de súbito, uma pancada de vento na janela acordou-me aos sobressaltos
e fez-me levantar da cama
para aliviar minha vontade de urinar,
apenas para voltar a dormir
sem lembrar do que acabo de sonhar...


Bernardo Coutinho
18.06.2005 / 12:12
25.06.2005 / 16:0

2/03/2007

meu...teu...nosso(?)


As coisas que tu me dás,
tuas,
não te desfazes delas,
nem partilhamos o antes compartido
como despojos de guerra,
pontos de final...
As coisas que me dás,
tuas,
permanecem tão presentes
e possíveis
como nas estantes de teu quarto,
discos e livros,
como no traço de tua boca
este riso...
Porque as coisas que nos damos,
nossas,
antes, como agora,
nos dizem nós,
apertam nós,
e nunca partilharemos despojos
de nada...
Somos.
Seremos.


["coisa-feita", Luciana Cavalcanti. Recife, Rua do Hospício, em 09 de Janeiro de 2007]

Arte: De Chirico.

Advérbio














Nunca mais. Nunca mais saíra dali um lampejo de criatividade. Uma fagulha de vivacidade.
Jamais. "Jamais", dizia na frente do espelho.
E sentada, com as pernas cruzadas, bebia, cuidadosamente e aos goles, o café que fervia.
Prometia. Jurava que não.
Mas sabia que promessas suas eram sempre sem precisão.
Acreditava. Fingia ao máximo que valeria a pena.
Fato é que não sabia até onde e nem quando. Nunca passara bem nesses testes.
O negócio é que persistir era aquilo dali, sentar, meditar, misturar o cheiro da cafeína com a fumaça da nicotina.
E Esperar...





Zorieuq De.
22/XI/06

Baila



Cá vou, levando na valsa,
Os tempos e contratempos
Dessa dança estacionada
no ternário que nos une

Bailarina descobri
Que ninguém é inflexível
A ponto de não mudar
- pra cada dança, uma roupa

Ao fechar a tua porta
E ver o salão vazio
Eu senti nos bastidores
você por trás das coxias

Te espero no mesmo palco
E, quando fincares no chão,
Dançarei ao teu redor
Até que me dês a mão



Lena, novembro de 2006

Força Centrípeta

Nesse mundo tem de tudo...
Eu fico encantada...
Tem cara de pau...de todo tipo...de todo preço...a grosso e a varejo...
Tem sacana pra cada dia da semana...e esperto achando que engana...
Tem gente nociva que nem o leite corta a fama...
Tem cafajeste em toda esquina...chafurdando na lama...
Tem...
Nesse mundo tem que ter...
Porque tem que ser completo pra caber...
O bem e o mau...
Pra gente poder escolher!



Zorieuq De.
28/XII/06

O sonho da pequena Anna Crônica (ou a perna de Donna Baratinha)


Bons dias, boas tardes e noites para todos aqui, presentes ou não!
Para início de conversa me apresento desde já, pois reclamações não quero ouvir depois.
Abram bem os seus ouvidos que meu nome não apresento nem duas nem três, mas apenas uma vez...
Chamo-me Anna, sou uma Periplaneta americana, uma barata com doenças crônicas, demasiado humana e saibam que mesmo seus risos de contentamento, que o digam as moças, temem a minha humilde, porém avassaladora presença.
Toda minha ousadia de apresentar-me a vós faz-me lembrar de uma prima Alice, uma nobre mosquita que passou até pela vacina, mas isso é outra (hi) estória...
Sem mais delongas, sigo no meu canto para que os gentis tímpanos de vossas senhorias não cessem de bailar.
Não sou como minha prima, não só quero me alimentar, vivo muito bem imersa na volúpia e tinha até um namorado, mas aquele safado, sendo o único macho, outras baratas também ia procurar.
Vivia no arrego, n’uma casa de até bastante sossego, em minha toca a descansar. Minha rotina, afinal, não diferia da vida das minhas outras irmãs...
Após longas horas de sono, saíamos à noite e encontrávamos sempre uma casa de fartas sobras do jantar de nãoseiquem... A todo custo evitávamos os pés imensos que se nos vissem não tardavam em nos esmagar.
Uma bela noite, junto a nossas esperadas sobras de pão, notei muitas das minhas dançando e caindo em cima de algo líquido e de cheiro forte e de lá logo me afastei ainda meio zonza e encontrei um preto doce mas que tão logo secou devido a umas formigas desgraçadas contra as quais não podia lutar...
Fui então pra minha toca, mas ainda bastante tonta, errei o caminho cambaleante...
Riem de mim?! Tentem ter seis pernas depois de umas doses de Álcool Etílico Hidratado e Diluído 46° de nome Tubarão!!! Isso mesmo, eu sei ler... Diferente das outras me engracei pela comunicação dos homens e bastou-me um pouco de capricho para conseguir entendê-la.
Mas voltando ao assunto, havia errado de toca... Parei n’uma bem maior onde, deitada na cama, uma garota lia algo que me chamou a atenção. Ela era magra e bonita, das pernas bastante compridas e de cabelos tão extensos que pareciam não findar. Empurrei-me em direção a ela, corri, escondi, esgueirei com muito esforço meu contraste na parede clara até que... Fui avistada!
Ela... atônita... fitava meus contornos e eu delineava os seus...
Fiquei ali... estática... sabia bem do horror que meu simples aspecto causava, mas sem bem saber por quê... Afinal, sempre fui a mais bela de todas as minhas irmãs...
Foram tão longos os segundos que poderia senti-los trespassando minha escultural carapaça de quitina... Por fim, avistei a janela e tentei sair por uma suposta fresta, mas a verdade é que, ainda tonta, nada encontrei.
Quando achei que minha hora chegara, pois a garota se levantava, fiquei foi pasma, vejam o que aconteceu...
N’um movimento calmo a janela foi aberta e eu na ânsia de agradecer me demorei ainda um pouco, mas logo fugi, pois não sabia até quando minha aliada aquela moça seria... Mas mal consegui sair e a fresta fora fechada de forma tão abrupta e ignorante que me decepou uma perna, logo a mais bela...
- Pensei. Voltarei pela manhã e verei do que tratam aquelas incontáveis palavras...




08.01.2005
02:07
b.

1/11/2007




















Oh!
Carícia que traz à alma redenção.
és verdadeira ou és
apenas ilusão?
Alivia-me os delírios,
resgata-me dos mortos,
entorpece meus sentidos,
dissipa os fardos que espinham o coração...
liberta o ente ensimesmado
que entoa infelizes baladas enrouquecedoras.
Não!
Não me poupe à ruína de ser,
mas não renuncie a mim.
necessito de tua presença
tanto quanto dependo
de meu pesar...



sóbrio
16.12.2005
12:35
b.

Poema Interpretado

“Poema Interpretado”


Brinquedos encaixotados
Canetas-Aviões que já não voam mais
Relógios desencontrados
Barcos-Vento que não acham seus Cais

Cobra que morde o rabo;
Óculos-Cortina: o perdido não lhe apraz...

Sonhos desenfreados

Carros-Tons, a trilha dos racionais
Cordas-Sons, o retorno aos animais



Interpretação:

Brinquedos encaixotados – infância trancafiada no subconsciente.
Canetas-Aviões que já não voam mais – perda do senso alegórico infantil.
Relógios desencontrados – a falta de sentido na vida faz o Homem ficar incapaz de enfrentar situações excepcionais, como o Amor, por exemplo, o que o faz perder o sentido.
Barcos-Vento que não acham seus Cais – vida impossibilitada de um alvo significativo, desilusão existencial.

Cobra que morde o rabo – tempo cíclico, repetitivo/ limitação da imaginação/ falta de amplidão dos gostos, dos ideais.
Óculos-Cortina; o perdido não lhe apraz – o limitado, que vê sempre a mesma paisagem em tudo, não consegue – ou não quer – apreender do evento perdido a Sua Catarse.

Sonhos desenfreados – plenitude, fluxo de imaginação, os caminhos se estão delineando.

Carros-Tons, a trilha dos racionais – disciplina como forma de convivência, vida apolínea, René Descartes como “pedagogo do cotidiano”, as certezas hipnopédicas do “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, a realidade delimitada de tal forma que caiba em nossas mãos, as vontades de verdade.
Cordas-Sons, um retorno aos animais – a “livre-expressão” como retomada da essência instintiva do Ser – exemplos são infindos: Stravinsky e sua música cortante; Hermeto Pascoal e a hiper-sensibilidade de sua percepção sonora; a vida selvagem do “Admirável Mundo Novo”; Nietzsche e sua exortação do sentimento, da ação, do êxtase, da vontade, da arte, da força criadora e da recuperação da música dionisíaca, extasiadora do espírito.


Advertência:

Tal interpretação é a do autor.
Claro fique que não é a única possível,
Nem deve ser.
A interpretação foi feita verso a verso,
deixando margem para que o leitor
Exerça
A sua parcela de posse sobre a obra,
Interpretando o conjunto da interpretação
Do autor,
Impondo-lhe sentido,
Se quiser;
Ou ainda, formular uma nova interpretação
Que tenha nada de referência com a do autor.

Faço doação desta obra aos leitores
(se é que existem leitores para esta obra)
como agradecimento.
As demais... roubem para si!



André Raboni
Andava a avenida antiga, angustiado anjo azul. Angina antropomórfica lhe afligia o coração. Pé esquerdo, pé direito, pé esquerdo, pé direito na rua do príncipe, sem príncipe ou carruagem acenou pra Gervásio. Pires sem xícara. Chá do meio dia. A princesa no peito. Angina menina buzina na esquina. Carros coloridos. Carro vermelho cor de sangue, cor de cabelo vermelho, cor de angina no miocárdio esquerdo, cor de acidente cardiovascular no ventrículo direito. Vai e vem, vai e vem nas cavidades ventriculares de Gabriel, que nunca foi Gabriel, mas anjo. Ancho! Achados e perdidos: leitão lilás choraminga mãe Albina. Leilão zoomórfico na banca de bicho. Vai vem vai vem lá do lado de ál, casal de alguma sigla que especifica um ponto onde vetores cardíacos estouram numa paixão. Olha o conde! Pobre conde da feia vista como fede, suado, suvaqueira crônica. Não demora o diálogo. Espelhos de preços canaletas imundas, refletia cinco e cinqüenta, seguindo, dois e indigestão, duodeno na mão duvidou das imagens. Não confiava em espelhos tamanha contingência e diferença que surgia. Al lado, o anjo seguia distante e diante da pólis, do Alamut, onde pombos azulargênteo circulavam as torres pós-punk do hotel central. Dois mil e noventa e nove reais uma odisséia no hot dog (com direito a copinho).
No litoral, onde cortam coqueiros e canas de açúcar amarelomuco, Preces indígenas. Preces indigestivas já rezam faz quinhentos anos. Maquinaria. Funila a FUNAI fusão de brancos e carapálidas. Brancos do corpo, suicidam os vermelhos negros. Brancos de fora, extracorpo, para-médicos indigenistas. Não querem rezar. Ocupam oca rocha. Desenho de cocar na entrada. Verde paredes. Verdade verde ou mentira dormiram semana inteira sem rede, sem macaxeira, sem Macunaíma. Fios vermelhos iluminam a luta, fios de cabelo e fibra ótica que interliga anjo e oca na casa divina diva menina. Cara são as malhas da telefonia, expensive juros altos, baixas na Oceania, pobres índios deságua e leva as casas o capital febril das pólis imperialistas. Gordura saturada bata frita sabor óleo “apenas” um real. Realidade sem macaxeira ou peixe. Diarréia intestinal. Do outro lado, não tão menos indigestiva, ela, no meio de todos, democrática, para o anjo sempre altiva: Lara. Que fome, que fome na veia cava. Movimenta. Movimento. Vetores e segmentos de linha que cortam os pontos. Ela = F, ela F = M . A. Não vem de baixo, não vem de cima. Impulsiona deforma o meio. F. Seria mentira pensar dois diferentes espaços. Sapos cantam um hino frugal de melancia, goiaba, graviola, cajá, carambola, ameixa. Morangos vermelhos em her hair. Quantas frutas pensam todas alheias? Frutas e lutas: boca fechada não entra mosca. Medo. A de olhos glaucos, antena o anjo. Antenas radiofônicas orgásticas. A de olhos glaucos enfim calçou, sem demora, nos pés as bonitas sandálias de ouro e divinas, que por sobre as águas, sem mais, a conduzem, como também, pela terra infinita, qual sopro do vento.
Trocando o certo pelo duvidoso cruzou a trilha do pátio tricolor. Sem índios a Terra de Santa Cruz se fez paço, ou pátio. Nordestina filmografia brasileira Lisbela não estava ali. Passam aviões da segunda guerra cabeça a cima dos pracinhas em castelo de areia de praia. Azul angelical. Passos leves. Quase atropelado por carruagem anil, não escapa do vermelho que vem de longe e atropela toda hora. Mora na monotonia da distancia que esvazia a bacia e lança o bebê fora. Sol do meio dia, seca cada gota antes de alcançar o Capberibe, mas não morre o bebê antes de alcançar o IMIP. – Que eu imite, Que tu imites, Que Ele... Repetem as crianças na escolinha. Que força tempestade impele ao futuro. Da memória constrói vermelho o passado. Postes vazando corrente. Lâmpadas apagadas. Pontes quebradas. Intangibilidade. Venal lugar mercado da boa pinga. Vermelho, sua cor trás lembranças aveludadas em angelicais sinapses nervosas. Síncope cerebral. Uoooooooooouuuuuu, uoooooooooooouuuuuu, circula as margens de uma circunferência com raio de cinqüenta centímetros. Cinqüentenários idosos vão e vem. Bêbados. Quase cinqüenta graus. Panela de pressão. Crânio dos transeuntes. Árvore. Sombra água na moleira. Vendo o verde lembra o vermelho. Vinte vezes, vinhedos cerebrais celebram o ritornelo do vermelho. Rói o coração. Fome. Lara. Ecoam no mercado versos marginais, voam copos e garrafas, voa o anjo, voa al redor do vermelho, voa sem nada concluir, voa para o meio das coisas, para as coisas.
Em Algum lugar ela existe e pensa sem pontos sem virgulas sem medo algum de nada e de ninguém em como transformar o mundo em como recompor o vermelho em como encontrar o azul em como preservar o verde a verdade
No não lugar irrestrito pousa o anjo onde ela dorme e sonha sem carros buzinas vitrines prédios mercados estampas ridículas onde se encontram não há virgulas nem exclamações nada se faz imperativo grito ou imposição em silêncio dormem um sono vermelho sonham azul comunicação transmental não verbal o anjo e a de olhos cautos voltam um ao outro a criança em retorno ao lugar de onde saiu
Musa reconta os feitos dos heróis astuciosos que muito peregrinaram


Nuwanda
Poema modernistra-regionalista-marginal

Com o pau na mão
Eu vi meu sertão.

D.V

Mecânica-cartesiana


b.

1/03/2007

Cessar-fogo


Chega de amor radical
Cansei da beligerância
Me dê a mão e lutemos
Pra acabar com a intolerância
Que entre nós põe barricadas
Quero um fundamentalismo
Fundamentado na paz

Pra que estejamos juntos
Protegidos em armistício,
Te proponho que selemos
Com mil beijos a política
Da boa vizinhança para
Podermos nos habitar


Lena Costa Carvalho. 2006

..."não precisa pressa!"

(...)

Cantando o hino da aurora que no horizonte plana
Da madrugada morta e das bebidas pardas
Que a boca engole rasgando a garganta que a boca engole rasgando a noite
Quando dormem nas casas todas a virgens peladas e lânguidas
Sana minha mente e desmente toda trama das estrelas foscas
Tragos de cigarro leva levado o vento a fumaça e as cinzas da alma
A mana que flana Hanna em minhas palavras lavradas e pesadas
O Galanteio a as pupilas que negam negam cegam minha vista
É a vista do mar na escuridão sem lua só o som das ondas
A menina bêbada que rola o monte de Sísifo abaixo



Pergunto o que tramas quando todos estão na cama
As três Marias brilham o violão nada toca sem fofoca
Conversamos um monologo úmido onde orvalham as almofadas labiais de sua boca
Sua e transpira o perfume das flores da meia noite transpira o perfume que me inspira
Depois pega carona nas asas da próxima coruja que vem amaldiçoar minha treva
E partes em partes partes partindo parte do que partilho contigo e não queres



D.V.
vadia


Não, eu não escolho não
fico com minha solidão
e ao te encontrar no vão da porta
e pede então pra ficar
diz que não passou da boêmia
que te fez desabar
no braço daquela vadia
vai de dia, que a noite é tarda a chegar
para o fim.


(Madamme Radharane)