12/19/2006

História dos Vencidos
Lá vinha ele, com seu guarda-chuva e cabelos desgrenhados... Olhos negros, acesos como faróis a queimar o caminho a sua frente. Rente passavam ratos e baratas fartas, aquele lugar era um verdadeiro banquete. Sentou-se junto à parede e para os lados olhou. Os fardados fardos não vinham... Ninguém veio. Ele recomeçou a andar, vagarosamente a pisotear os corpos: cadáveres entreabertos. Cada passo ardia... A ferida abria... Pau... Latina... Mente. Sua alma, torturada, imaginava coisas... Sussurrantes... Em seus insanos ouvidos. Seus dedos apertavam o cabo e o sagrado sangue escorria ao chão. Pingava... Era grosso, aquele negro líquido. Por ter salvado mais de trinta ainda o perseguiam... Era noite escura, sem lua, coberta por nuvens pesadas... De temporais mal resolvidos, que teimavam em não cair. Talvez a natureza não quisesse se sujar, ainda mais. - Socorro! - Alguém gritou. Estava perto... Perto demais... Para poder ajudar. Tiros... A voz cessou... E outra ecoou, atravessando o odor ígneo: - Continuemos a caça. Aquela maldita raça não há de escapar! E foram todos, marchando, assustando os corvos que se alimentavam através de órbitas fabricadas e ainda quentes. A barba gelava... Não havia escapatória... Naquele mundo hermafrodita, para aquele ser não haveria vitória. - Nada como os selvagens gansos, a grasnar na sua rota migratória... Pensou ele... Delirava. Os devaneios já tomavam o lugar da realidade. Queria fugir, mas não tinha mais forças. Forçou-se a continuar naquela passada... Pesada e concubina, amiga do dinheiro que ele não mais tinha. Orou! Pediu ao Deus que ele conhecia que sobrevivesse mais um dia. Para que sua família pudesse ver. Chorou! E caiu ao chão desmaiado, estava demasiado cansado, pela perseguição do poder. Amanheceu... Raiou o dia, os cães farejavam... Ainda. Horas já tinham se passado. Cães de rua. Alguns mortos de fome morderam o então. Ele acordou e os espantou. Pelo menos para alguma coisa serviu aquilo de que estava armado. De guarda-chuva a cajado e então, à bengala. Levantou-se, titubeou, o sol feria seus olhos e o fez ver que a quantidade de corpos ultrapassava o milhar. Deslocou-se para o que poderia ainda ser sua casa, estava perto, porém não o bastante... Novamente. Depois de algum tempo chegou. No trajeto nada viu, além de mortos. Terreno vil... Onde estava o sangue? Teria sido varrido e ele não havia percebido. Sua esperança continuava. No fundo do peito algo ainda o chamava... Ele sabia, mesmo com toda aquela chacina, ainda existia chance de encontro com as pessoas amadas. Abriu a porta... Nada. Nem uma gota de sangue, nem um corpo... Nada! O desespero tomou conta, descontou na parede. Bateu com a mão... A parede cedeu e o encobriu como um lençol. Soterrado ficou, olhando fixamente o chão... Nada mais poderia ver... Suspirou... Novas lágrimas caíram, achava que já tinham secado, mais uma vez enganado. - Nunca... Nunca pensei que assim seria o fim... Mesmo sabendo que aqui... Ouviu voz... Conhecida. Gritou! Alto. O máximo que seus pulmões esmagados puderam suportar e retirado foi, pouco a pouco, dos escombros. Olhos voltados para o céu... Céu azul... Gansos seguiam seu curso migratório. Ele sorriu... Cansado e aliviado, ao ver a imagem de sua mulher... Logo desfeita por Napalm.


D!G

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