12/03/2006

Silêncio Ausente Inserido


De início eu era chato, não gostava das pessoas. Resmungava, esperneava e até cospia nas que estavam próximas a mim. Estas, falavam baixo, com aparente mau-humor, agiam de forma completamente estranha das atitudes de antes. O que afinal elas esperavam que eu fizesse? Todos me tratavam como a um retardado! Fazendo gracinhas, trocando uivinhos, coisas que só alteram as expressões de um bebê, riso ou choro. Ora, se inicialmente tratavam-me como uma criança em seus anos iniciais, imaginem como elas se desinteressam por estes trejeitos tão logo começam a andar; por que cargas d’água censuravam-me com tanto ardor? Parecia um animal, quando este rouba comida da casa do dono. Eu mudava de ser em questão de segundos! Estava impossibilitado de andar e de escrever é bem verdade, mas a curvatura de meus membros que à força se formou, não explica esse comportamento idiotizante que se faz ao dirigir-me a palavra. Parecia-me com o cãozinho que a filha mais nova acaba de ganhar. Com o tempo fui acostumando com esse tipo de tratamento unicamente por questão de sobrevivência. A mulher que me alimentava tinha medo que eu a mordesse, então ficou cada vez mais difícil de suprir minhas necessidades fisiológicas, considerando a simpatia que nunca nutriram por mim.
Depois de ter percebido isso, parei meus ataques súbitos. Ainda não conseguia sorrir, não por incapacidade física, mas por negar-me a isso; então ficava quieto, calado. Por bem dizer, nunca fiz mais do que balbuciar e babar. Não conseguia ver, nem com a mais desprezível alegria, aqueles rostos patéticos! Mas à medida desse processo de conformidade, fui achando graça naqueles bobos da corte inquietos. Minha primeira gargalhada reverberou por entre os silêncios das bocas entreabertas. Não sabem eles do desprezo que tenho por todas aquelas deformidades faciais. Duvido até que imaginassem meu plano em que eu, em toda minha sede instintiva, abocanharia o pescoço da babá do terceiro turno...


(b.)



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