12/03/2006

Laissez-faire *



Comovente era. Porque de fato sentar, desconfortavelmente, naquele sofá e ver o telejornal ao lado dele já não tinha mais graça. Já não fazia mais a cabeça dela. Há dez anos vá lá. Era mais nova. Achava até romântico tudo aquilo ali. Comentar as últimas façanhas de alguns acontecimentos. Até arriscava mencionar o drible perfeito de algum jogador de futebol. Mas isso há dez anos – pelo menos – não agora. Não agora com os fios brancos a lhe pintarem a cabeça. Não agora com os filhos já quase casados. Não agora com aquele homem desconexo ao seu lado.
Era quando, para disfarçar aquela estranheza, buscava com os dedos os já parcos cabelos dele.E era dali, que rejeitada, apelava para o crochê. Mas não sabia crochê. E Pensava até no café. Pensava, na verdade, em qualquer coisa e em quase nada. Pensava no que tinha sido e do que havia de ter vivido se não fosse.
O telejornal acabava. A telenovela começava. O controle-remoto salteava imediatamente os canais. Era aquela a hora de levantar-se, de fazer enxergar-se, de dizer-lhe poucas e boas e talvez até consertasse. Mas, exausta daquele barulho inaudível dos dois, apelava ao telejornal que recomeçasse. Implorava ao canal que sintonizasse alguma coisa mais palpável que aquilo dali.
Porque aquilo dali, meu rapaz, aquilo dali não tinha definição. Era uma cena de fácil discrição, um homem com controle-remoto na mão, uma sala e uma televisão, um único sofá para dois revelando a imensidão e uma mulher com a sua solidão.


Zorieuq De
16/XI/06





* Laissez-faire é a contração da expressão em língua francesa laissez faire, laissez aller, laissez passer, que significa literalmente "deixai fazer, deixai ir, deixai passar".

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